sábado, 10 de maio de 2014

Dia de mudança. Literalmente.



Amanhã a mama faria exatos 40 anos morando no mesmo apartamento, na Vila Madalena, onde nasci.

Hoje ela dormirá no bairro de Perdizes, no apê novo, com um monte de caixas que só serão desfeitas amanhã ou depois. 

***
O celular tocou de manhã cedinho, com ela chorando do outro lado: 


- Filha, preciso de você, estou perdida na bagunça!


Ela tinha tentado me convencer, na noite anterior, que bastava eu estar no apartamento novo para ajudá-la a receber a mudança. Mas evidente que não caí nessa e já estava de saída pra casa dela no momento da ligação. Eu sentia que precisava estar junto desde cedo e acompanhá-la em todo o processo. Não podia deixa-la só. Hoje não. 

Cheguei um pouco antes da equipe que faria a mudança e quando vi aquele tanto de sacolinhas e cacarecos de uma vida toda, confesso que também me perdi. 

Caixas e caixas com objetos embalados... Era chegada a hora de partir. Ela fez um ritualzinho de agradecimento aos anos vividos ali e desceu no segundo andar para se despedir da sua vizinha e grande amiga, a única que sobrou no prédio desses anos todos. Depois que o meu pai morreu (eu tinha 5 anos), era o marido dela que corria com a minha mãe quando eu precisava de um pronto-socorro no meio da madrugada. Imaginou perder uma noite de sono por um filho que não é seu? Pois bem. Foi na bicicleta da filha deles que aprendi a andar sem rodinhas. Um pedaço de bolo oferecido podia ser retribuído com canja. Os pratos nunca voltavam vazios. As portas viviam abertas. Dessas relações de vizinhança que hoje não existem mais. 

Fiz o pente fino final. Tranquei o apartamento por ela e desci ao seu encontro. As duas estavam abraçadas, chorando um bocado. Chorei junto, tentando disfarçar. Porque hoje era o meu dia de ser forte. E amanhã também. 

***

PS: A mama mudou de lar porque, pela primeira vez, seu corpo pediu um prédio com elevador. Ela que quis e está feliz com o apartamento novo, um pouco maior e mais perto dos filhos. Aos 76 anos, porém, ela terá que aprender a viver sem vizinhos.